
Às vezes, não é nem um grito, nem o estrondo de um raio. É uma cena, um silêncio, um simples ato. Um movimento repetitivo, mas que marca o momento de mudar tudo.
Lembro, há alguns anos, da história da Analía, uma colega de trabalho. Ela estava num relacionamento com um homem um pouco mais velho que ela, e moravam com os filhos dele, que já eram adolescentes. A situação estava tensa fazia tempo. Ana se sentia cansada. Em um estado de esgotamento físico e mental, e começaram a surgir nela algumas inseguranças.
Ana já estava há muitos anos com o marido e tinha assumido papéis que, embora tivessem sido combinados, com o passar do tempo começaram a incomodá-la.
Ana não tinha filhos, e o marido, pela idade, também não iria querer
.
O dia em que dizemos BASTA
Analía estava passando roupa, na época em que, pra se vestir, tudo precisava ser passado na tábua. O marido perguntou por uma camisa, e naquele exato momento, ela desligou o ferro da tomada, foi até o quarto, pegou a bolsa e saiu.
Saiu sem dizer absolutamente nada, levando como bagagem a roupa do corpo.
Omar, querendo uma desculpa pra puxar conversa e falar do assunto, questionava sobre as coisas dela que tinham ficado na casa. Ao que Ana respondeu: “pode doar pra Cáritas”. E nunca mais voltou.
Sempre lembrei dessa história, e fiquei com a sensação estranha de como alguém, por um detalhe, pode largar tudo, mesmo depois de ter passado por coisas piores. Ela poderia ter ido embora quando o marido a ignorava, ou aproveitado o calor de alguma briga. No entanto, escolheu aquele momento preciso.
Anos depois, algo como quinze, voltei a lembrar dela
Eu mesma estava num relacionamento desgastado, onde vivia mendigando atenção, reconhecimento e, pelo menos, um pouco de amor. Discutir e reclamar fazia parte do roteiro.
Mais do que nunca, eu vivia uma fase em que me sentia só dona de casa, criando uma adolescente e “maternando” meu marido, que não podia ser solicitado nem pra pegar um copo de água, porque tudo era feito de má vontade. Contar com ele ou esperar alguma troca se tornava biologicamente impossível.
Numa tarde quente, como todas daquele verão, resolvi esperá-lo com chimarrão, um bolo, pão e mortadela, pra fazermos um lanche juntos. Ele chegou, como sempre às 19h, e sem cumprimentar com um beijo (coisa que eu já queria levar ao Senado), e que mesmo assim nunca mudou.
O sanduíche no momento de mudar tudo

Ali, sentado a dois metros apenas, enquanto colocava a mortadela dentro do pão, pedi que fizesse um pra mim também. Ele revirou os olhos, virou a cabeça de lado, travou todas as expressões do rosto e, totalmente de má vontade, quase bufando, começou a preparar.
Um calor indignado percorreu meu corpo, e no exato momento em que ele colocou a mortadela no meu pão, levantei do sofá, disse “deixa, agora não quero mais”, peguei meu celular e comecei a procurar anúncios de aluguel. Dois meses depois, quando fui efetivada no trabalho, fui embora pra sempre e me encontrei comigo mesma, pela primeira vez em dez anos. E foi então, o momento exato em que decidi mudar tudo.
Tudo isso poderia ter acontecido numa briga, na raiva que a inconsistência dele me causava, mas no lugar disso, aquele pequeno ato repetitivo, e talvez o mais inofensivo, foi determinante.
A importância de tomar a decisão
Quantas Analías você conhece? Quando decidiu algo grande por causa de uma situação banal? Quantas vezes te fizeram esse pão com mortadela?
Não importa qual foi o fator determinante que te levou a encerrar um ciclo. Porque quando chega o cansaço, qualquer brisa no vento vira temporal.
Se você já carregou tantas coisas, chega uma hora em que não cabe mais nada. Como quando se arruma uma mala e fica impossível de fechar.
Hoje, vejo a Analía como uma síndrome que muita gente aplica, que outros julgam, mas que, no final, funciona.
Arriscarse é uma troca
Analía teve um filho. Talvez, estar passando aquela camisa para outra pessoa dissesse a ela que nunca faria isso para o seu próprio filho e, por isso, a pergunta ecoou em seu subconsciente e a obrigou a sair.
Da mesma forma, talvez eu precisasse daquela fuga para emergir das chamas que carregava como talento — e que, por minha própria permissão, deixei aprisionadas dentro de mim.
Conquistar minha autonomia não apenas me reencontrou, depois de eu ter estado perdida, como também criou, nada mais nada menos que La Sesión.
Pois bem, deixa eu te contar esta história.
Joanne Kathleen Rowling, mais conhecida como J.K. Rowling, estava atravessando um momento extremamente difícil: havia terminado seu casamento em péssimos termos e criava sozinha sua filha pequena. Recebia ajuda do governo e sofria de depressão.
Diante disso, ela saía para escrever em cafeterias, onde pagava um café e ficava por horas, já que seu apartamento era frio e sem aquecimento. Além disso, fazia isso para que a filha dormisse com o balanço do passeio, e assim, ela pudesse aproveitar aquele tempo para escrever.
Certo dia, em meio a todo esse esgotamento emocional, começou a descrever o menino bruxo que já vivia em sua cabeça havia anos, desde que o imaginou num trem a caminho de Londres.
Esse foi o seu pão com mortadela. Um acontecimento simples, porém profundamente transformador.
Harry Potter é, atualmente, a saga de ficção mais vendida do planeta.
Portanto, não tenho dúvidas de que todos nós precisamos passar uma camisa e pedir que nos façam um pão.
Obrigada por ler. Te convido a refletir. Me conte se isso aconteceu com você.
Respostas de 2
Muy interesante. Yo he sido Analia más de un momento y me preguntaba.. por qué llegué hasta acá? Que necesitaba ver qué no me fui antes? Para mí, no solo en la pareja hay Analias, las hay en los trabajos, en las familias, y en todos los ámbitos de relación humana
Gracias, Virginia por tu parecer. Tu aporte ha sido muy importante.